Qual o futuro do trabalho no segmento da hospitalidade? O problema da escassez da mão de obra continuará se agravando até que o serviço de torne algo completamente exclusivo e caro ou estamos fadados a assistir à extinção dessa mão de obra barata e sua substituição pela tecnologia? Por que algumas poucas empresas conseguem crescer e formar times, enquanto outras seguem colocando em xeque a capacidade de expansão de seus negócios, tamanha a dificuldade em formar times?
Até pouco tempo atrás, num cenário econômico pré pandemia, ainda era muito comum vermos negócios, marcas e empresas anunciando expansões megalomaníacas, crescimento em progressão geométrica, numa corrida desenfreada pelo ouro para tomar conta do mundo, esquecendo de um pequeno e importante detalhe: que “nenhuma empresa pode aumentar sua receita, de forma constante, mais rapidamente do que sua capacidade de recrutar as pessoas certas em número suficiente para implementar esse crescimento e ainda se tornar uma empresa excelente.” – Jim Collins.
BOOOOM! TILT! KNOCK DOWN! Essa frase deveria constar no início de todo e qualquer business plan!
O mundo girou a economia parou e esse ciclo de crescimento cessou. É preciso um olhar mais profundo, de cima para baixo para entendermos as causas e origens desse problema. O fato é que não apenas o segmento da hospitalidade e da restauração sofre com o problema da falta de mão de obra. O setor de serviços como um todo, que também é porta de entrada para o mercado de trabalho, sofre da mesma maneira. A barreira de entrada é baixa por não haver necessidade de qualificação da mão de obra. Afinal, bastam algumas poucas habilidades e muita força de vontade para ingressar nesse segmento.
Numa economia baseada na produtividade e no resultado pelo resultado, empresas seguem a regra de fazer sempre mais com menos, pressionando e esmagando a camada da base da pirâmide, seja com uma carga excessiva de trabalho, seja com o achatamento dos salários ou com condições de trabalho cada vez piores, reduzindo a capacidade do segmento de atrair novos candidatos. Estudos recentes apontam que, enquanto a remuneração média de um trabalhador comum nos EUA cresceu apenas 18% de 1978 a 2020, a remuneração média do C-Level cresceu o surpreendente número de 1.322% no mesmo período. O mesmo fenômeno também acontece por aqui no Brasil, mas em proporções um pouco menos assustadoras. (fonte: https://oglobo.globo.com/economia/esg/noticia/2023/02/gap-nas-empresas-ceo-ganha-ate-400-vezes-mais-que-a-media-dos-colaboradores.ghtml). Essa diferença estratosférica é exposta de forma muito interessante no documentário “TRABALHO”, dirigido pelo ex-presidente americano Barack Obama, em que são analisados os 4 níveis hierárquicos. Começando pela prestação de serviços, passando pelo meio, emprego dos sonhos e, finalmente, a chefia.
Para engrossar ainda mais esse caldo amargo, some a isso a relação completamente diferente que as novas gerações possuem com o trabalho. Na nova economia não existe mais plano de carreira. Agora existe apenas plano de vida. A expectativa que os mais jovens têm seria algo como, “o que você, como meu empregador, vai me proporcionar como experiências enquanto eu estiver por aqui?”. Experiências e tempo. Dois fatores importantíssimos nessa nova relação! Cada vez mais, haverá uma demanda por mais experiência num tempo menor.
A falta de mão de obra em hotéis, bares e restaurantes não tem uma causa única, muito menos uma solução ímpar! A causa tem diversos fatores e foi sendo construída ao longo de muitos e muitos anos com salários baixos, baixa qualificação, ausência de treinamentos, capacitação, formação e desenvolvimento de pessoas, lideranças fracas e despreparadas, informalidade, condições de trabalho desatualizadas que não condizem mais com as necessidades básicas das pessoas entre outras. É inimaginável pensar que em um cenário e um ambiente como esse, conseguíssemos celebrar mão de obra em abundância.
Sociologicamente, nossos comportamentos são influenciados pelo comportamento daqueles com quem convivemos e vemos. Quando pensamos na palavra sucesso, o que vemos é uma homogeneização sobre o seu significado. Há uma massificação da definição da palavra sucesso e que o único sinônimo possível para ela, é riqueza. Valores éticos, morais e familiares, cultura, inteligência e até mesmo tempo livre (artigo raro hoje em dia!) vão perdendo seu espaço. Estamos perdendo pouco a pouco nossa capacidade de olhar para o outro. Vale tudo para conquistar o pote de ouro no final do arco íris, na maior velocidade possível. Como se isso fosse fácil ou realmente disponível para todos que assim desejassem. A consequência: ainda menos gente interessada em ingressar num setor que demanda paciência, trabalho duro, dedicação, compromisso de longo prazo e que é preciso um esforço descomunal para se ganhar algum dinheiro. O dia a dia da hospitalidade não é nada glamuroso como parece ser.
Assim como a solução também não dependerá pura e simplesmente de apenas treinar as pessoas. Nem de formar novas gerações pois não há novas gerações dispostas a participar dessa festa. É preciso um novo olhar. Entender que a relação das pessoas com o trabalho está mudando. Que é preciso haver mais equilíbrio nessa balança entre vida pessoal e vida profissional. Que é possível fazer mais com mais. Que possuir um bom time de atendimento passa obrigatoriamente por ter clareza de objetivos, contratar melhor, integrar as pessoas ao time olhando para o futuro e não apenas para próximo final de semana, repensar escalas, jornada de trabalho, espaços de convivência, salários melhore e lideranças realmente capazes de terem relações honestas e transparentes, focadas na formação e capacitação de novos líderes. Entre outras tantas coisas que ainda podemos fazer.
Pensando em serviços no segmento da hospitalidade, há dois caminhos possíveis que podemos imaginar no horizonte de médio e longo prazo. O primeiro, da introdução de novas tecnologias que ajudará a tornar o serviço mais rápido, mais eficiente e mais barato, substituindo a necessidade de mão de obra humana. Já há diversas ações nesse caminho em redes de fast food, restaurantes casuais e na própria hotelaria. Ou seja, haverá ainda mais desemprego e pessoas lutando por sua sobrevivência com salários ainda mais baixos, degradando sua condição de vida. O outro, que tornará o serviço mais exclusivo e caro, para àqueles que estiverem dispostos a pagar por isso. O serviço humano e especializado deverá ser capaz de entregar mais qualidade, excelência, customização, eficiência e experiências diferenciadas. Não será possível entregar esse tipo de serviço sem a melhora da qualidade da mão de obra. Profissionais com melhor formação e mais capacitados serão necessários para que os clientes recebam e percebam valor na relação com as marcas, empresas, negócios e serviços.
Há muito o que se fazer, pensar e repensar. E enquanto esse futuro próximo não chega para valer e o passado distante não nos deixa de vez, nos resta aqui no presente, cuidar e fazer o melhor possível pelos nossos times e pelas pessoas que os formam. Afinal, empatia, gentileza, carinho, atenção e cuidado não fazem mal a ninguém.
Conteúdo publicado em: https://www.linkedin.com/pulse/o-fim-do-servi%25C3%25A7o-rodrigo-malfitani/